«A culpa, se calhar, é dos dicionários: "fama" e "sucesso" vêm antes de "trabalho". E é essa a ordem de factores que é apregoada pelas televisões. "Em directo da casa mais famosa do país...", e mostra-se gente que não sabe nada, que não viveu nada e que de sentimentos só conhece a versão lambisgóia. "És o ídolo de Portugal!", grita um imberbe para outro imberbe, num desses concursos de caça-talentos em que o protagonista nem entende, apesar de anunciado, o papel que lhe destinam: ser caçado. Na noite da apoteose, Portugal chama com valor acrescentado e faz do miúdo um famoso. Assim, num repente. Com a plateia de pé, os colegas fracassados aos abraços apertados (alguém tem de fracassar para servir de pedestal), os pais a chorar de orgulho. Famoso. No dia seguinte, já há clube de fãs. O Facebook explode de amigos. Millôr Fernandes poetou sobre isso: "Na tela/ Em cada programa/ Notoriedades da hora/ Desconhecidos de ontem/ Famosíssimos de agora." Famoso. Ainda sem saber de quê, nem se interessando porquê, mas já conhecendo as regras: agarrar-se aos holofotes e, sobretudo, a quem detém as luzes dos holofotes. Famoso. Os mais sortudos saberão em breve como a condição é efémera. Os mais infelizes descobrem-se, um dia, mesmo famosos: aparecem nas primeiras páginas dos jornais, até de Nova Iorque.»
by Ferreira Fernandes in Diário de Notícias
1 comentário:
O Renato entra no quarto e pergunta: "Carlos, Castro?"
E o Carlos... "Sim!?"
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