segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Import/Export # 51: O Teorema do Ser Humano finito



«O leitor está familiarizado com o teorema do Macaco Infinito? Se, como eu, é tão apreciador de teoremas como de macacos infinitos, estará certamente. Mas àquele reduzido número de leitores que não têm interesse especial por proposições demonstráveis e símios eternos, posso revelar que se trata de um teorema que afirma o seguinte: se um macaco martelar aleatoriamente as teclas de uma máquina de escrever durante um tempo infinito, acabará por, quase de certeza, dactilografar um texto, como, por exemplo, as obras completas de Shakespeare.
Não é, admito, um teorema a que se adira com facilidade. O bom senso diz-nos que o mais provável é que o macaco use os primeiros dez minutos do tempo infinito para partir a máquina de escrever e depois passe o resto da eternidade a comer bananas infinitas. Além disso, é um teorema difícil de provar, sobretudo tendo em conta a escassez de macacos infinitos - que obstaculiza o progresso científico de várias maneiras.
Foi dessa frustração teórica que parti para postular o muito mais facilmente verificável Teorema do Ser Humano Finito. Diz assim: se certos seres humanos martelarem as teclas de um computador durante um tempo que não precisa de ser infinito, acabarão por, quase de certeza, dactilografar um texto que exprime opiniões próprias de um macaco. A experiência decorre, com um sucesso assinalável, nas caixas de comentários dos jornais online.
Enquanto o fenómeno aguarda a atenção de coprologistas abalizados, é possível a qualquer leigo identificar dois padrões particularmente salientes: primeiro, o fascínio que as caixas de comentários exercem sobre os primários, os ressentidos e, sobretudo, sobre os primários ressentidos; segundo, o modo como essa sedução se acentua quando se trata de notícias de crimes. Neste caso, os comentários variam pouco, ao passo que o seu destinatário varia bastante: 'Pena de morte para gente desta em Portugal, já!' é a opinião mais popular, mas pode dirigir-se ao criminoso ou à vítima, se esta for homossexual.
Embora os energúmenos, individualmente considerados, não obtenham a atenção e o respeito de ninguém, enquanto grupo parecem merecedores de reflexão. Um estúpido quando associado a outros estúpidos iguais, faz pensar. (...)»

by RAP in A Boca do Inferno, revista Visão (20.Jan.2011)

1 comentário:

Gonçalo disse...

A "simiassidade" deste texto está completamente conferida no comentário que alguns macacos vão deixando neste esplêndido blog!!!

Dada a minha fervorosa identificação clubística com o autor do texto e com o criador (deste blog também), creio não inserir no grupo dos supra-citados!!!