quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Por falar em despistes...


Hoje em dia tudo se despista: despistamos drogas no organismo (tenham elas a finalidade restritamente lúdica ou, ao invés, o propósito de logro muscular) por força dum exame de admissão para a função pública; despistamos doenças venéreas (mormente depois de uma ou setenta e três noites com romenas ébrias e mal lavadas, ao som de Kusturica e ao ritmo de salvas de kalashnikovs, não as metralhadoras, antes os shots); despistamos bojudos malfeitores que nos perseguem com paus e pedras apenas porque não acreditam, os cépticos, que é possível um homem, no caso bandido, ver um filme com uma mulher, ainda que filha do elemento pré-agressor, envergando apenas (se bem que orgulhosamente) um par de peúgas e uns boxers já russos; despistamos a fome com uma “sande” (e ainda me querem impingir que isto é, em português correcto, o singular de sandes, enfim...) de torresmos em ambientes rurais; despistamos a desgraça de mais um campeonato perdido para a tripalhada do norte em comatosas noites regadas com todas as formas de álcool concebidas por Deus (e duas ou três que o “Maior” não se lembrou, porque ocupado com outras coisas, mas que não passaram incólumes ao inventivo olho do meu tio Arnaldo e do seu fiel alambique) e despistamos, sobretudo e em consonância com o item imediatamente anterior, veículos motorizados de quatro rodas para transporte de passageiros ou carga de encontro a tudo o que mexa... ou de encontro a tudo o que não mexa... enfim, de encontro a coisas em geral. E porque o fazemos? A resposta é por demais evidente e descobre-se, invariavelmente e nas trôpegas palavras do acidentado piloto, na prodigiosa salvação dum pequeno canídeo, por auto-sacrifício, de cor verde e proveniência espacial e que, invisível para o comum dos “serumanos”, se assim pudermos catalogar “aqueles” que, acordados às 8h da manhã dum qualquer domingo, perante o inusitado acontecimento se limitam à concessão dum insólito olhar de reprovação, acompanhado do movimento pendular do encéfalo, e do costumeiro piropo “esta geração está perdida”. Despistar é, aliás, uma dos vocábulos, afianço eu de antemão, e à laia de alguém mais avalizado, mormente alguém com dados científicos e um daqueles estudos na ponta da língua duma qualquer universidade norte-americana, uma daquelas cujo nome potencia a gradação rubicunda do mais expedito dos poliglotas, as Massachusetts e as Wisconsin-Madison das terras do tio Sam e da prima Nelly, agrupáveis naquele restrito grupo de palavras capazes, por fanfarrice do locutor que, em acto contínuo, a elas recorra para alicerçar as atoardas argumentativas com que nos tenta desarmar, de originar um êxodo de perdigotos capazes de entupir um bueiro em Santa Maria da Feira – ora, já me esqueci do que estava a dizer... ah!, já sei –, sendo que, no redolente universo do léxico português, a etimologia da dita palavra, cuja divisão silábica permite o encontro do seu significado antagónico (des+pistar), a doce, porém inexistente (pronunciam os dicionários), palavra e/ou verbo “pistar”. Assim sendo, e para que esta revolva na nossa amofinada língua proponho a vexatória criação do verbo “pistar” e de todas as intrincadas escatologias que com ele se podem alcançar, mormente, na sua correcta flexão verbal (e.g., no presente do indicativo, com o vulgar eu pisto, ou o rude vós pistais, etc). Fica no ar a proposta para que o apanascado leitor possa dizer de sua justiça e eu possa, depois disso e só depois disso, cagar d’alto na vossa ledice opinativa e anunciar ao mundo mais este neologismo com o mesmíssimo desplante com que uma criança de 4 anos anuncia que tem cocó.

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