sexta-feira, 16 de julho de 2010

Manequins de montra



Ontem, enquanto tosquiava as partes pudibundas e assistia (num processo multitask que se auto-aplaude) aos números galopantes do desemprego e da pobreza nacional que me eram oferecidos pela pequena televisão que preenche uma grande fatia do espaço do meu exíguo quarto, tive uma ideia para combater a dita. A pobreza, bem entendidas as coisas. Acredito que a sensibilidade, estilística e ímpia, que está impregnada no código genético dos sacripantas que aqui acorrem, irá concordar com esta revolucionária visão.
A ideia consiste em contratar (sugiro mesmo empalhar e/ou embalsamar) os desempregados de longa-duração e/ou os sem-abrigo e colocá-los nas montras que pululam as ruas e, outrossim, os centros comerciais deste país.
Os argumentos que suportam esta extraordinária ideia são inteligentes, insignes e, nalguns casos, catalépticos mesmo. Ora sigam lá, se fazem o favor, o meu raciocínio.
Desde logo, porque adquirir uma peça de vestuário que surge "pendurada" num manequim de montra (o mesmo seria dizer, num material orgânico polimérico sintético em forma de gente, ou se preferirem, num manequim de plástico), sem vida, nem brilho, nem textura, nem maleabilidade credível é muito complicado. Seria preciso uma capacidade de transladação mental do trapo disposto num bloco frio e desengonçado para um ser humano quente e engonçado (assim ao jeito do AutoCAD 3D, mas em mais complicado) que não está ao alcance de todos. Ora, aquilo que fica bem a um manequim de montra esquálido e sem braços, bem se sabe, muito dificilmente ficará bem a um humano completo.
Depois, porque a competência dos manequins de montra de plástico é muito fraquinha. Até para a função. De facto, e por falta de concorrência, a maior parte destes manequins é desleixada e apresenta-se ao serviço sem braços, outros sem cabeça (e os que a trazem, olvidam a peruca) e outros ainda com uma coloração da tez a fazer lembrar os VIP's wannabe deste país depois dumas férias na neve (pagas pela revista Caras ou pela Casa Cláudia ou pelo caralho).
Mais, nas investigações que conduzi no terreno (o mesmo seria dizer nos shoppings e afins), pude descobrir que os manequins de montra não estão sindicalizados, o que facilitaria (e muito!) a sua dispensa. Ou incineração, que acaba por ser a mesma coisa.
A tudo isto acresce o peso que o título profissional manequim ofereceria a esta franja (tão marginalizada) da sociedade, sendo que depois, acredito, não faltariam convites para férias na neve e no caralho (pagas pelas revistas da especialidade e que, entretanto, surgiriam e se alastrariam).
Ora, expostos os argumentos, falta apenas esclarecer que entre a simples contratação e a contratação seguida de empalhação e/ou embalsamação (sendo que nestes casos se faria o enchimento com recurso a lã virgem que, para além de deixar o corpinho mais maleável para posições com as quais os actuais manequins de plástico apenas podem sonhar, tem ainda a vantagem, segundo apurei, de ser muito menos bichosa que o tradicional algodão) o ganho estético, social e económico seria significativo.

2 comentários:

Xalo disse...

E com isto se matariam dois coelhos de uma cajadada só!!!
Resta contudo esperar que as gajas boas comecem a ser sem abrigo, para as podermos ver espetadas nas montras!!! Tal qual Red Light District em Amesterdam mas sem pagar!!!

Xalo disse...

... de certeza que os gajos se importariam menos de ir às compras!!!