quarta-feira, 20 de abril de 2011

Import/Export # 67: Estranha forma de democracia



«Talvez os leitores mais velhos ainda se lembrem do modo como a democracia funcionava antigamente: os cidadãos colocavam uma cruzinha nos candidatos que pretendiam eleger e os mais votados desempenhavam os cargos para os quais tinham sido eleitos. Parece-me que era isto. Entretanto, a democracia foi evoluindo e adquiriu a forma mais complexa e sofisticada que tem hoje: os cidadãos continuam a colocar uma cruzinha nos candidatos que pretendem eleger, mas os mais votados tanto podem desempenhar os cargos para os quais são eleitos (embora seja uma hipótese remota), como podem desempenhar outros cargos à sua escolha, como podem ainda optar por não desempenhar cargo nenhum.
O que o leitor deposita na urna não é bem um voto, é uma carta de recomendação. Escrita por um analfabeto, uma vez que vai assinada por uma cruz. Mas, ainda assim, valiosa.
Esta variante da democracia produz resultados interessantes e imprevisíevis. O povo votou em António Guterres para primeiro-ministro e ele foi para casa. Votou em Durão Barroso para primeiro-ministro e ele foi para presidente da Comissão Europeia. Votou em Sócrates para primeiro-ministro e ele foi para vice-presidente de Angela Merkel e agora é assessor do FMI. Nas próximas eleições, o povo pode votar em Fernando Nobre para deputado, mas ele ainda não sabe bem se quer ser deputado. O povo que vote, e depois ele logo vê se lhe apetece.»

by Ricardo Araújo Pereira in Boca do Inferno, revista Visão (20.Abril.2011)

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