sexta-feira, 1 de junho de 2012
Import/Export #118: O verbo falir
"O facto de o verbo falir ser defectivo faz com que, no presente, nenhum português possa falir. Não é possível falir, presentemente, em Portugal. «Eu falo» é uma declaração ilegítima. Podemos aventar a hipótese de vir a falir, porque «eu falirei» é uma forma aceitável do verbo falir. E quem já tiver falido não tem salvação, porque também é perfeitamente legítimo afirmar «eu fali». Mas ninguém pode dizer que, neste momento, «fale».
Acaba por ser justo que o verbo falir registe estas falências na conjugação. Justo e útil, sobretudo em tempos de crise. Basta que os portugueses vivam no presente - que, além do mais, é dos melhores tempos para se viver - para que não «falam» (outra conjugação impossível). Não deixa de ser misterioso que a língua portuguesa permita que, no passado, se possa ter falido, e até que se possa vir a falir no futuro, ao mesmo tempo que inviabiliza que se «fala», no presente. Se eu nunca «falo», como posso ter falido? Se ninguém «fale», porquê antever que alguém faliria? Talvez a explicação esteja nos negócios import/export. Nas outras línguas é possível falir no presente, pelo que os portugueses que têm negócios com estrangeiros podem ver-se na iminência de falir.
Bem sei que [vários] linguistas se opõe a que o verbo falir seja considerado defectivo. Mas essa é uma posição que tem de ser considerada antipatriótica. É altura de a gramática se submeter à economia. Tudo o resto já se submeteu."
by Ricardo Araújo Pereira, in "Boca do Inferno", revista Visão (31.maio.2012)
P.S.: Congratulam-se os bandidos pelo facto de, finalmente (!), o RAP ter tido a decência de nos referir nas suas rubricas semanais na revista Visão - até porque, não rara vez, temos sido nós a plag...referi-lo aqui.
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