sexta-feira, 12 de julho de 2013

Import/Export # 160: A revogação do irrevogável

«Os capitães de Abril livraram-nos do fascismo político; Paulo Portas livrou-nos do fascismo semântico. Recordo a longa noite de opressão dos verbetes, os anos negros em que significações dicionarizadas por académicos obscuros impunham a sua lei sobre o nosso discurso. Havia pequenos redutos de liberdade, porque alguns vocábulos conseguiam ter mais do que um sentido, mas a polissemia sempre ficou aquém das aspirações dos verdadeiros democratas linguísticos.
Até que, finalmente, chegou o dia inicial, inteiro e limpo da omnissemia. Por enquanto, só com uma palavra - mas todos sentimos que a trombeta da liberdade já soou. Irrevogável é o que nós quisermos. (...)
[Assim sendo, podemos afirmar que] Portas é um político experimentado, e não permite que os críticos ponham o irrevogável em ramo verde. São muitos anos a virar irrevogáveis, a verdade é essa. Podem tirar o irrevogavelzinho da chuva que não é assim que o apanham. Ainda bem. Espero que Portas continue a prestar estes serviços ao nosso idioma por muitos e irrevogáveis anos.
Que tudo isto seja uma lição para nós porque - e parece-me fundamental reter esta ideia - quando um irrevogável é irrevogável, não há irrevogáveis que o revoguem.»

by Ricardo Araújo Pereira, in revista Visão (11/07/2013)

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