(...) “Todos os comentadores e jornalistas podem olhar para os números e saber o que eles dizem”, afirmou o primeiro-ministro. Pois podem – e é esse exercício que proponho que façamos aqui hoje, para não sermos acusados de calacice e bandarreio.
A despesa pública diminuiu entre 2011 e 2014? Diminuiu. Contudo, convém ver de que tipo de despesa estamos a falar. Segundo os números da Ameco, já com extrapolação (possivelmente generosa) para o ano em curso, essa redução é de cerca de 4,8 mil milhões de euros (de 84,4 mil milhões, em 2011, para 79,6 mil milhões, em 2014), o que, em percentagem do PIB, dá 2,2 pontos percentuais. Mas a que se deve a parte de leão desse corte? Reorganização de serviços? Redução de funcionários? Dieta de custos intermédios? Não: corresponde a uma diminuição gigantesca no investimento público, que passou de 6,8 mil milhões em 2011 (4% do PIB) para 3,5 mil milhões em 2014 (2,1% do PIB). Ou seja, se aos 2,2 pontos percentuais de cortes na despesa retirarmos estes 1,9 de investimento, sobra-nos uns magríssimos 0,3 pontos percentuais de corte efectivo de despesa na estrutura do Estado.
Ora, se o ajustamento pelo lado da despesa foi feito praticamente à custa da diminuição do investimento, o que isso significa é que nada de realmente estruturante mudou quanto ao peso do Estado na economia nacional. (...)
O problema da “inverdade” de Passos Coelho é que não há contradição nenhuma entre a despesa cair e o sacrifício de essa queda poder ser, em boa parte, inútil – tal como uma dieta pode, em vez de abater barriga, cortar na massa muscular. Perde-se peso? Sim. Mas no sítio errado. É por isso que Pedro Passos Coelho está neste momento a apanhar pancada de todos os lados. Um keynesiano lamenta os cortes no investimento. Um liberal lamenta que só tenha havido cortes no investimento. Tanto um como o outro acabam, inevitavelmente, por fazer um péssimo balanço destes três anos de austeridade. O primeiro-ministro não será patético, e muito menos preguiçoso, mas é líder de um governo que foi incapaz de fazer aquilo de que o país mais necessitava. E esta verdade vai acertar-lhe como um punho nas eleições de 2015.»
by João Miguel Tavares in jornal Público
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