sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Import/Export # 49: Um hino aos bandidos e polícias de outrora



«(...) Quando eu era jovem (que diabo, não foi assim há tanto tempo), a televisão transmitia uma imagem da polícia, segundo a qual os agentes da autoridade eram brutos afáveis - mas bastante mais brutos do que afáveis. O Kojak dava uns tabefes aos bandidos, o Zé Gato até com os colegas armava zaragatas e havia um senhor guarda n'A Balada de Hill Street que mordia.
Hoje, essa imagem sofreu uma alteração grotesca. Para os jovens actuais, os polícias são agentes do CSI. O leitor já terá visto a série: os agentes gastam dez minutos de episódio a recolher pêlos com uma pinça, passam horas numa espécie de esquadra irrepreensivelmente limpa a espreitar organismos num microscópio, levam uma tarde inteira a esfregar cotonetes em manchinhas de sémen que brilham no escuro. Ao contrário dos polícias do nosso tempo, nunca apalpam as familiares das vítimas, que o regulamento não deixa. Têm conhecimentos de psicologia, física, química, botânica, biologia e anatomia. Designam os pássaros pelo nome científico, em latim. (...)
Enquanto os jovens de hoje acompanham com interesse as conversas sobre ADN e células epiteliais, o leitor e eu estamos a contorcer-nos no sofá à espera que um daqueles agentes dispa a bata e dê um tiro em alguém, nem que seja no médico legista.
(...)
Tenho quase a certeza de que os saudosos bandidos de antanho não tinham epiteliais. É até duvidoso que tivessem ADN - e, se tinham, era um tipo de ADN que se recusava a fornecer informações à polícia, como é do mais elementar bom senso. O mundo precisa urgentemente de voltar a ter delinquentes mais espertos e polícias mais burros.»

by Ricardo Araújo Pereira in revista Visão (16.Dez.2010)

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